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Poetisas que incendiaram o papel: da melancolia ao grito político

Por Andrômeda / 28 de maio de 2025

Durante séculos, disseram que a poesia era um lugar seguro para as mulheres. Um espaço onde podiam suspirar, chorar, amar em silêncio. Um território íntimo, confessional, delicado — e, portanto, “adequado”. Às poetisas foi permitido sentir, mas raramente incendiar.

Neste ensaio, traçamos o percurso de muitas mulheres que usaram a poesia como ferramenta de expressão profunda, mas também como arma de combate. Das que sussurraram seus lamentos às que gritaram nas praças, passando por aquelas que fizeram do próprio corpo matéria poética, todas elas deslocaram o lugar da “poetisa” do feminino passivo para o feminino em ruptura.

Porque sim, há melancolia — mas também fúria, erotismo, denúncia, riso e reinvenção.

Esse é um percurso que não cabe numa linha reta. É uma espiral de vozes que, ao incendiar o papel, reacendem o mundo.

A tradição da poeta melancólica

A imagem da poetisa melancólica atravessa séculos como uma figura dupla: por um lado, ela é vista como sensível, inspirada, capaz de traduzir dores universais com rara delicadeza. Por outro, é aprisionada num ideal romântico de fragilidade, como se sua escrita só pudesse nascer do sofrimento amoroso, da solidão, do recolhimento doméstico.

A história literária reservou a muitas mulheres o papel de quem escreve com o coração partido — não com a razão crítica ou a fúria do pensamento. A elas se permitiu a dor, mas não o discurso.

Ainda assim, algumas dessas vozes produziram uma obra de beleza inescapável, mesmo dentro (ou contra) os limites impostos.

Florbela Espanca, por exemplo, escreveu como quem sangra e encanta ao mesmo tempo. Seus sonetos sobre a angústia de viver, o desejo não correspondido e o abismo entre corpo e alma ecoam até hoje como lamentos líricos de uma mulher que ousou desejar mais do que o permitido.

“Ser poeta é ser mais alto, é ser maior / Do que os homens! Morder como quem beija!”
— Florbela Espanca

O mesmo pode ser dito de Alfonsina Storni, que flertou com a melancolia, mas também com a crítica social. Sua poesia, embora vestida de doçura, carregava cortes sutis contra o machismo e as expectativas sufocantes de seu tempo.

Sylvia Plath, nos Estados Unidos, levou essa melancolia a um grau extremo de autoanálise e desintegração. Seus poemas mergulham no psicológico, revelando a violência silenciosa da vida doméstica e da saúde mental em colapso.

Essas poetas, mesmo com as dores internalizadas, já anunciavam uma ruptura. Suas palavras soavam como lamento, mas, em silêncio, também eram luta.

A ruptura — quando a poesia vira denúncia

Se a melancolia foi, por muito tempo, o tom autorizado para a escrita feminina, o século XX assistiu a um deslocamento importante: o momento em que a poesia das mulheres deixou de apenas doer — e passou a incendiar. A linguagem, antes usada para traduzir o íntimo, tornou-se instrumento de denúncia, de enfrentamento e de reescrita do mundo.

Audre Lorde, lésbica, negra, feminista, norte-americana, escreveu com a consciência de que “a poesia não é um luxo”. Para ela, era uma forma de traduzir aquilo que não podia ser dito de outra forma: a raiva, o desejo, a violência racial, a maternidade vivida fora dos moldes brancos. Sua poesia é um manifesto da linguagem como sobrevivência.

“Transformar o silêncio em linguagem e ação é um ato de auto-revelação e, portanto, de luta.”
— Audre Lorde

Na América Latina, Gioconda Belli levou sua poesia para as trincheiras da revolução nicaraguense. Em seus versos, erotismo e política caminham juntos: o corpo da mulher torna-se território simbólico de libertação — e também de conflito.

Adélia Prado, embora mais introspectiva, subverteu a tradição cristã ao colocar Deus, sexo e panela na mesma frase. Sua poesia carrega o cotidiano de uma mulher comum — e, justamente por isso, ressignifica o que é ser poeta.

“O que a memória ama, fica eterno. / Te amo com a memória, imperecível.”
— Adélia Prado

E há ainda quem traga o corpo para o centro da escrita de forma radical. Amara Moira, travesti e escritora brasileira, transforma sua vivência em linguagem afiada, feroz e poética. Sua obra recusa a neutralidade e escreve a carne: atravessada, viva, pulsante.

Essa virada — do íntimo ao coletivo — não eliminou a dor. Apenas lhe deu outras formas. A tristeza não desapareceu. Mas agora ela vem acompanhada de consciência, nome, endereço e data.

Entre o íntimo e o coletivo: a poética do limiar

A poeta contemporânea não escolhe entre o amor e a revolta, entre a pele e o manifesto. Ela escreve de um ponto em que tudo se mistura: o colo da mãe e o grito da rua, o trauma e a esperança, o desejo e a denúncia. Seu poema não cabe em gavetas — e também não se contenta com bandeiras. Ele pulsa em limiar.

É nesse território híbrido que surgem nomes como Warsan Shire, nascida na Somália e criada no Reino Unido. Seus versos abordam o exílio, o feminino, o corpo negro, a violência e o cuidado — com imagens precisas e arrebatadoras. Ficou conhecida quando trechos de seus poemas foram incorporados ao álbum Lemonade, de Beyoncé, mas sua obra vai muito além de qualquer vitrine pop.

“Você tem que entender, / ninguém coloca seus filhos em um barco / a não ser que a água seja mais segura que a terra.”
— Warsan Shire

No Brasil, Ryane Leão representa uma geração de poetas que escreveram primeiro nas ruas e nas redes, fazendo da poesia um gesto público e afetivo. Seus versos curtos, diretos, profundamente sensíveis, tratam de sobrevivência lésbica, afeto entre mulheres negras, cura emocional e resistência cotidiana.

Angélica Freitas, por sua vez, escancara a normatividade de gênero com ironia e estranhamento. Em Um útero é do tamanho de um punho, desmonta, verso a verso, a lógica do feminino como submissão — e o faz sem perder o ritmo, o sarcasmo, a contundência.

Essa nova poesia — que não é nova em essência, mas em alcance — dialoga com outras formas de expressão: a performance, a música, a internet, o slam, a arte visual. As fronteiras entre gêneros textuais se desfazem. As poetas já não se perguntam se podem ou não dizer: elas dizem.

E é justamente nessa fricção entre o íntimo e o coletivo que o papel pega fogo. Não há mais separação entre o corpo e a página.

Conclusão

Quando uma mulher escreve um poema, algo se move. Não apenas dentro dela, mas no mundo. Porque a poesia — tão frequentemente subestimada, tão frequentemente chamada de “delicada” — é, na verdade, uma forma de fogo.

Das cartas íntimas que nunca seriam publicadas aos versos lidos em voz alta nas manifestações, as poetisas que incendiaram o papel não pediram licença. Elas escreveram porque precisavam. Porque havia um grito, uma ausência, uma pergunta ou um corpo que já não cabia mais no silêncio.

Hoje, seguimos lendo essas vozes — e descobrindo outras tantas que ainda estão nascendo. Porque a poesia, longe de ser um gênero menor, é uma forma de conjurar o mundo. E, quando vem das margens, ela se torna ainda mais poderosa: porque carrega a coragem de existir onde antes só havia apagamento.

Que sigamos escutando essas mulheres que ardem. Que sigamos lendo com o corpo, com o pensamento, com o afeto. Porque ainda há muito o que incendiar.

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Escritoras que romperam o silêncio: 12 vozes femininas na literatura

1 comentário em “Poetisas que incendiaram o papel: da melancolia ao grito político”

  1. Apricot
    5 de junho de 2025 em 1:50 pm

    Ótimo texto!

    Responder

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